Eu!

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sábado, 28 de agosto de 2010

A VIDA NÃO É UMA COMÉDIA ROMÂNTICA
Luiz Fernando Veríssimo

Homem e Mulher se conhecem numa sala de espera de médico. Ela grávida, ele esperando a mulher, que consulta com o médico.
Ele oferece a "Caras" que estava folhando: — Quer dar uma olhada?
Ela: — Acho que essa eu já vi. É nova?
Ele, depois de consultar a data da revista: — Bom, é deste século... Os dois riem.
E se apaixonam. Dessas coisas. Destino, química... Quem explica essas coisas? Se apaixonam, pronto. Mas não caem nos braços um do outro. Mesmo porque a barriga dela, de sete meses, não permitiria. Ficam apenas se olhando, atônitos com o que aconteceu. Pois junto com o amor súbito vem a certeza da sua impossibilidade. Como uma ferida fazendo casca em segundos. E como nenhum dos dois é um monstro de frivolidade, e como a vida não é uma comédia romântica, é uma coisa muito séria, e como eles não podem largar tudo e fugir, trocam informações rápidas, para pelo menos ter mais o que lembrar quando lembrarem aquele momento sem nenhum futuro, aquela quase loucura.
Sim, é o primeiro filho dela. Menino. E a mulher dele? Está consultando o médico porque a gestação complicou, o parto talvez precise ser prematuro. Também é o primeiro filho deles. Filha. Menina. Que mais? Que mais? Não há tempo para biografias completas. Gostos, endereços, telefones, nada. A mulher dele sai do consultório. Ele tem que ir embora. Dá um jeito de voltar sozinho e perguntar o nome dela. Maria Alice. E o dele? Rogério! Rogério! E sai correndo, para nunca mais se encontrarem.
Mas se encontram. Três anos depois, na sala de espera de um pediatra. Ela chega com uma criança no colo. Ele está lendo uma revista. Talvez a mesma "Caras". Os dois se reconhecem instantaneamente. Ele pega a mãozinha da criança. Pergunta o nome.
É João Carlos. Caquinho.
— Ele está com algum...
— Não, não. Consulta normal. Ele é saudável até demais. Hiperativo. E a de vocês? O parto, afinal...
— Foi bem, foi bem. Ela está ótima. Se chama Gabriela. Só veio fazer um checape. Eu não posso ficar lá dentro porque fico nervoso.
E declara que não houve dia em que não pensasse nela, e no que poderia ter sido se tivessem saído juntos daquele consultório, anos atrás, e seguido seus instintos, e feito aquela loucura. E ela confessa que também pensou muito nele e no que poderia ter sido. E ele está prestes a pedir um telefone, um endereço, um sobrenome para procurar no guia, quando a mulher sai do consultório com a filha deles no colo e ele precisa ir atrás, e só o que consegue é um olhar de despedida, um triste olhar de nunca mais.
Mas se encontram outra vez. Dois anos depois, na sala de espera de um pronto-socorro. Ele com a mulher, ela com o marido. Ele leva um susto ao vê-la. O que houve? É o Caquinho. O cretino conseguiu prender a língua numa lata de Coca. Ele se emociona. A mulher dele não entende. De onde o marido conhece aquele Caquinho? E aquela mulher, que está perguntando se aconteceu alguma coisa com a Gabriela? Não foi nada, Gabriela só bateu com a cabeça na borda da piscina e está levando alguns pontos. E nem a mulher dele nem o marido dela entendem por que, ao chegar a notícia de que o Caquinho só ficará com a língua um pouco inchada, os dois se abraçam daquela maneira, tão comovidos. Depois, em casa, ele se explica: — Solidariedade humana, pô.
A história não precisa terminar aí. Rogério e Maria Alice podem continuar se encontrando, de tempos em tempos, em salas de espera (dentistas, traumatologistas, psicólogos especializados em problemas de adolescentes etc.) até um dia ela sair do quarto de hospital onde está o Caquinho, que teve um acidente de ultraleve, e avistá-lo na sala de espera da maternidade, e perguntar:
— A Gabriela está tendo bebê? E ele fazer que sim com a cabeça, com cara de "para onde foram as nossas vidas"?

quarta-feira, 25 de agosto de 2010





Namorado ter ou não ter é uma questão


Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de sí mesmo.Namorado é a mais difícil das conquistas.Difícil porque namorado de verdade é muito raro.Necessita de adivinhação, de pele, de saliva, lágrima, nuvem, quindím, brisa ou filosofia.
Paquera, gabiru, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil.Mas namorado mesmo é muito difícil.Namorado não precisa ser o mais bonito, mas aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele, a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção.A proteção dele não precisa ser parruda, decidida ou bandoleira, basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem um amor, é quem não sabe o gosto de namorar.Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes, mesmo assim pode não ter namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema sessão das duas, medo do pai,, sanduíche de padaria ou drible no trabalho.Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa e quem ama sem alegria.Não tem namorado quem ama sem alegria.Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade.Namorar é fazer pactos com a felicidade ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de durar.
Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas; de carinho escondido na hora que passa o filme; de flor catada no muro e entregue de repente; de poesia de Fernando Pessoa, Vinicius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar; de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada; de ânsia de viajar junto para a Escócia ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, fazer sesta abraçado, fazer compra junto.Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhados de alegria pela lucidez do amor.Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e sai com ela para parques, fliperamas, beira d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não chateia com o fato de o seu bem ser paquerado.Não tem namorado quem ama sem gostar quem gosta sem curtir, quem curte sem aprofundar.Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana na madrugada ou meio-dia de sol em plena praia cheia de rivais.Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações, quem faz sexo se esperar o outro ir junto com ele.Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho.Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e medos ponha a saia mais leve de chita e passeie de mãos dadas com o ar.
Enfeite-se com margaridas, e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança.De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim.Acorde com o gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela.Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba lícor de contos de fadas.Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pétala falante a dizer frases sutis e palavras de galanteria.
Se você não tem namorado, é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido.Enlou-creça!

Carlos Drummond de Andrade.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Quero espelhar-me nos teus olhos,
passear em teus pensamentos
e viver no teu coração...